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AngraJazz 25 anos

 

 


Orquestra AngraJazz com Perico Sambeat
A abrir a 25ª edição do festival, a Orquestra Angrajazz fez uma espécie de batota, e ainda bem que a fez: ao convidar o saxofonista Perico Sambeat para o papel de solista principal, Pedro Moreira e Claus Nymark sabiam que o desafio estava ganho logo à partida! Perico é, de facto, um músico de exceção, que só por viver em Espanha e não nos Estados Unidos não chega a ser amplamente reconhecido como um saxofonista de primeira linha no jazz contemporâneo.
Incluindo peças como “Moon River”, “Days of Wine and Roses” (ambas de Henry Mancini), “A Sleeping Bee” (Harold Arlen), “In Your Own Sweet Way” (Dave Brubeck), “Venus de Milo” (Gerry Mulligan), “Muñequita Linda (Sambeat) ou “On the Ginza” (Wayne Shorter), o repertório revestiu-se de enorme bom gosto, mas foi em “Chelsea Bridge” (Billy Strayhorn), com uma belíssima cadenza pelo saxofonista convidado, que esta atuação terá atingido o seu momento mais memorável.
E, se Perico Sambeat fez o brilharete que fez enquanto solista ao longo de quase todo o concerto, não poderia deixar de louvar a crescente qualidade das prestações improvisadas de vários dos membros da orquestra, nomeadamente por parte dos dois jovens trompetistas Guilherme Costa e Tomás Reis.


Camilla George Quartet
O concerto menos interessante desta edição do festival foi, sem dúvida, o que se seguiu ao da orquestra. A saxofonista Camilla George apresentou uma série de composições inconsequentes, que tentam viver de um groove que não “groova” e, acima de tudo, quatro músicos sobejamente deficitários em tudo o que tocam, quer na forma, quer na substância, sendo a própria líder a improvisadora menos capaz entre músicos cujas capacidades em nada impressionam. Diria mesmo que, inversamente a tudo aquilo que Perico Sambeat nos ofereceu, Camilla George evidencia claras dificuldades no domínio mais básico do seu instrumento, dificuldades essas que passam por problemas concretos de afinação e por uma total incapacidade de apresentar um discurso improvisado minimamente coerente ou interessante. Mas, felizmente, coisas muito melhores haveriam de acontecer nos dias que aí vinham.


João Paulo Esteves da Silva e Mário Laginha
E, efetivamente, o primeiro concerto da segunda noite do Angrajazz foi um momento delicioso de música e de genuína comunhão musical em palco. Dois pianos a soar muito bem e dois pianistas a soar ainda melhor. Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva são – já se o sabia! – dois pianistas de exceção, mas a sua união em palco, numa relação quase osmótica em que o que cada um deles faz enaltece tudo o que o outro possa tocar, ao longo de uma série de temas sabiamente escolhidos (a maioria deles da autoria de um ou do outro pianista, com “Mack the Knife” e “Olhos Negros”, um tradicional da Terceira, pelo meio), elevou este concerto a um nível ainda superior do que dele se poderia (e deveria) esperar.
A despedida (literal, com o belíssimo “Despedida”, de Laginha) foi de arrepiar e chorar (também literalmente) por mais. Um concerto glorioso por uma dupla, neste formato de dois pianos, muito difícil de superar. 10 estrelas, 5 para cada pianista!


Catherine Russell
Não será de gabar a sorte a qualquer artista que tivesse de subir ao palco depois do estado emocional em que João Paulo e Laginha deixaram toda uma plateia, mas Catherine Russell soube agarrar o público com o seu canto honesto e a sua entrega a um repertório clássico, com temas do período compreendido entre as décadas de 1920 e 1950, que terá pecado apenas pelo seu excessivo apego ao contexto do blues, jump blues e rhythm and blues, com o qual, porém, a cantora soube quem o que fazer. Ao contrário de tantas outras que por aí andam, Russell é uma cantora afinada e com um fraseio bem articulado do ponto de vista rítmico, que revela um claro domínio da linguagem do jazz, e os músicos do trio pelo qual se fez acompanhar a todo o momento se provaram mais do que competentes, sempre atentos ao que a cantora indiciasse, bem como ao que fosse sugerido entre si. Globalmente, um interessante concerto de jazz vocal, coisa cada vez mais rara e preciosa nos tempos que correm.


Vijay Iyer Trio
Não por acaso, Vijay Iyer é um dos mais impactantes e reconhecidos músicos do jazz do século XXI. Tudo o que este pianista tem feito ao longo dos últimos quase 30 anos é de uma originalidade inquestionável, música altamente estimulante principalmente do ponto de vista rítmico, mas também pela forma como Iyer faz reverberar o som do seu piano, sempre acompanhado por um pool de músicos capazes não só de aplicar de forma transparente os conceitos do pianista, como também de os desenvolver e de lhes acrescentar sempre algo de relevante. Neste sentido, e especificamente no contexto de trio, Iyer tem contado nos últimos anos com Tyshawn Sorey ou Jeremy Dutton (dois gigantes da bateria de hoje) e com Linda Oh ou Harish Raghavan (também eles monstros consagrados do jazz de hoje) ou, mais recentemente, Nick Dunston no contrabaixo. Com Dutton e Dunston – não é uma firma de advogados! –, e ainda que o nível de energia tivesse ficado um pouco abaixo de outros concertos de Vijay em trio que estes ouvidos tiveram a sorte de presenciar, o pianista ofereceu, como não poderia deixar de ser, uma performance de elevado interesse no Angrajazz, potente e com um nível de energia e intensidade que poucas formações serão capazes de alcançar. Dunston foi, aliás, uma agradável surpresa, simultaneamente livre e muito seguro na forma como interagia com os seus colegas de palco, que acusavam grande prazer em com ele partilhar toda a música que, obviamente, ali partilhavam também com o público. Mais uma noite começava em grande nesta edição do Angrajazz.


Ben Rosenblum Nebula Project
E, mais uma vez, e tal como na véspera, não era fácil entrar em palco depois de toda a intensidade ali projetada até meia hora antes pelo trio de Vijay Iyer... Ben Rosenblum é autor de uma música ambiciosa, porventura demasiado ambiciosa para a sua tenra idade, como era também a dos seus colegas de palco. Com exceção do guitarrista Rafael Rosa, um músico seriamente interessante tanto do ponto de vista textural quanto do da improvisação, os músicos deste septeto cumpriram sem deslumbrar, sendo de lamentar os problemas de timbre e mesmo de afinação evidenciados pelo trompetista Wayne Tucker. No geral, e atentando no lado mais positivo da questão, não me saía da cabeça a agradável ideia de que temos em Portugal muitos músicos tão jovens quanto os deste grupo capazes de ler e improvisar música a um nível sobejamente superior à dos músicos que ali se encontravam em palco. E o início da noite seguinte iria permitir confirmar isso mesmo...


Ricardo Toscano Quarteto + Ensemble AH
A última noite do Angrajazz abriu com a homenagem de Ricardo Toscano ao seu ídolo Charlie Parker com uma releitura do projeto Charlie Parker with Strings, na qual o saxofonista português se fez acompanhar pelos músicos do seu quarteto – o pianista João Pedro Coelho, o contrabaixista Romeu Tristão e o baterista João Pereira – e pelo Ensemble AH, um grupo de nove instrumentos de corda, um oboé e uma trompa, dirigido pelo maestro Pedro Moreira.
Toscano tocou durante todo o concerto com a mestria a que já nos habituou, com o contagiante joie de jouer que lhe é tão característico.
Se o repertório na altura gravado por Parker (“They Can’t Take That Away From Me”, “East of the Sun”, “Easy to Love”, “Summertime”, “Just Friends”, “Everything Happens to Me”, “Laura”, “Rocker” ou o menos conhecido “The Gypsy”, alvo de uma arrepiante interpretação apenas pelo quarteto) é de inquestionável qualidade e bom gosto, uma agradável surpresa foi a leitura neste concerto de “Ezz-Thetic”, um fascinante tema de George Russell que acabou por não ser gravado por Bird ou que, pelo menos, nunca chegou a conhecer publicação.
E este era ainda apenas o primeiro grande concerto de uma grande noite de encerramento do festival...


Angrajazz Legacy com Francesco Cafiso
O Angrajazz Legacy Quintet fechou esta importante edição do festival com uma atuação toda ela de grande nível. Acima de tudo, o que mais maravilhou foi a mestria com que estes músicos dominam os seus respetivos instrumentos e a forma como colocam essa facilidade ao serviço de mentes improvisadoras de elevado nível. São músicos que, como em gíria jazzística se costuma dizer, sabem tudo!
E o repertório, ainda que sem grandes novidades ou revelações, revestiu-se de interessante bom gosto de uma ponta à outra do concerto. Aliás, foi excelente a escolha de “One By One” (tema escrito por Wayne Shorter para os Jazz Messengers de Art Blakey) como forma de prender a atenção da plateia desde o primeiro momento e de tornar bem clara a qualidade interpretativa tanto coletiva quanto individualmente. O interesse manteve-se com uma enérgica leitura de “Seven Steps to Heaven”, na qual se destacou a improvisação do saxofonista alto Francesco Cafiso, uma mente musical extraordinária que brilhou ao longo de todo o concerto. Mas o mesmo se pode dizer do jovem Anthony Hervey, um trompetista que evidenciou uma qualidade sonora próxima da do seu professor Wynton Marsalis e uma criatividade e um arrojo que denunciavam, e ainda bem, um sério fascínio por Freddie Hubbard. Impecáveis estiveram também o pianista Tyler Bullock e o baterista Charles Goold, mas o mais fascinante músico em palco acabou, porventura, por ser o contrabaixista Thomas Milovac, um verdadeiro portento de bom gosto e criatividade tanto na arte do acompanhamento como na da improvisação.
A gravação deste concerto poderia não resultar num dos discos da minha vida, mas, enquanto momento e enquanto concerto, o Angrajazz Legacy Quintet encheu-me definitivamente as medidas. Um excelente desfecho para a comemoração das bodas de prata de um festival que insiste em afirmar-se e reafirmar-se com um dos mais relevantes e envolventes certamos de jazz em Portugal.

Duas notas finais, ambas muito positivas: uma para a atuação do Wave Jazz Ensemble no Museu de Angra do Heroísmo, na qual esta formação se revelou mais madura e coesa do que nunca, com um repertório descomplicado, mas marcado pelo bom gosto, e muitos bons solos pelo meio. De destacar ainda as quatro belíssimas jam sessions que decorreram noite dentro na Casa do Sal – seguramente as mais participadas e – diria mesmo – as melhores de sempre!

Paulo Barbosa

 

 

 

Qua 2 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30

Orquestra Angrajazz com Perico Sambeat

Pedro Moreira (dir), Claus Nymark (dir), Perico Sambeat (s), Micaela Matos (sa), Rui Borba (sa), Rui Melo (st), Mauro Lourenço (st), José Pedro Pires (sb), Paulo Borges (t), Márcio Cota (t), Guilherme Costa (t), Tomás Reis (t), Paulo Lourenço (t), Manuel Almeida (trb), Miguel Moutinho (trb), Nelson Silveira (trb), Antonella Barletta (p), Paulo Cunha (ctb), Nuno Pinheiro (bat)
Camilla George Quartet Camilla George (sa), Renato Paris (tec, voz), Jihad Darwish (ctb), Rod Young (bat)
Qui 3 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Mário Laginha + João Paulo Esteves da Silva Mário Laginha (p), João Paulo Esteves da Silva (p)
Catherine Russell Quartet Catherine Russell (voz) Roy Dunlap (p) Tal Ronen (ctb) Domo Branch (bat)
Sex 4 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Vijay Iyer Trio Vijay Iyer (p), Nick Dunston (ctb), Jeremy Dutton (bat)
Ben Rosenblum Septet Nebula Project Ben Rosenblum (p, aco), Wayne Tucker (t), Rafael Rosa (g), Jasper Dutz (s), Xavier Del Castillo (s, f), Marty Jaffe (ctb), Ben Zweig (bat)
Sáb 5 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Ricardo Toscano Quarteto + Ensemble AH
«Bird with Strings»
Ricardo Toscano (sa), Romeu Tristão (ctb), João Pedro Coelho (p), João Pereira (bat),
Ensemble AH: Pedro Moreira (dir), Elena Kharambura (v), Ana Catarina Pinto (v), Vitor Falcão (v), Gabriel Pereira (v), Laura Meneses (v), Ostap Kharambura (viola), José João Dinis Silva (viola), Orest Grytsyuk (celo), Svitlana Pustovhar (celo), Tiago Gaspar Marques (oboé), Edgar Marques (trom)
Angrajazz Legacy Quintet
Charles Goold (bat), Anthony Hervey (t), Francesco Cafiso (s), Tyler Bullock (p), Thomas Milovac (ctb)